Em entrevista à "Esposende Serviços TV", o autor fez uma antevisão do que virá a ser o seu próximo livro - RAÍZES - a ser lançado na Primavera de 2016, sobre a realidade esposendense aos anos 50', 60' e 70' com os seus personagens reais e fictícios, num retrato vivenciado também pelo próprio Alex personagem principal dos 28 contos que complementam o livro. Lino Rei.
sábado, 26 de dezembro de 2015
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
Um Natal diferente
Um
Natal diferente
Só quem está fora da mãe-pátria pode avaliar, por si,
o quão custoso é passar esta época festiva fora dos seus familiares e amigos;
que o digam os nossos emigrantes, que o digam todos aqueles que nas mais
diversas circunstâncias, algum dia, tiveram de comemorar o nascimento do
Deus-Menino fora do seu torrão natal.
Retomando palavras do jornalista: “Para o milhão de
combatentes que, ao longo de treze anos de guerra colonial, foi deslocado para
África, o Natal constitui uma das páginas mais angustiantes das suas comissões,
um trauma com data previamente marcada, um momento simbólico com raízes
profundas na sua origem, na sua educação, na sua cultura, traduzindo o
sacrifício físico e psicológico, a tristeza do afastamento familiar e a dor da
guerra, em alegria do dever cumprido, por amor à Pátria, na ânsia do triunfo,
com dádiva de suor e sangue” [1].
Também connosco não foi excepção.
Tentando colmatar, de alguma forma, a reunião à volta
de cada uma das nossas famílias na Metrópole nesta noite santa de Dezembro de
1972, também nós, a família da ÔNZIMA, nos unimos para a comemorar. O rancho
foi melhorado com a carne de uma pacaça que o capitão e os alferes Nunes e
Coelho tinham abatido para a ocasião; as grades de cerveja foram duplicadas;
embora dificilmente, também lá se arranjou o bacalhau para a consoada; o whisky
foi distribuído pelo pessoal; o vago-mestre teve que passar diplomas
suplementares a tantos outros cozinheiros de ocasião que queriam demonstrar os
seus dotes na cozinha, confeccionando e disputando especialidades, neste ou
naquele bolo, que ornamentariam a longa mesa da messe desse dia; enfeites
vários e velas de ocasião, davam o ambiente próprio àquela noite onde,
disfarçadamente, ainda escorria, neste e naquele rosto, alguma lágrima de
saudade que, teimosamente, fazia lembrar cada um dos seus. Era noite de
consoada.
No fim do repasto e já bem regados, era a ocasião para
a apresentação da Parada de Estrelas
improvisada mesmo ali à mão. Foi o furriel Lopes, um alfacinha de gema, que deu
o mote, com dois ou três fados corridos que logo tiveram o coro acompanhante de
quantos ainda recordavam a letra. De imediato, o furriel Cunha (de saudosa
memória) perito em letras e canções de intervenção (nesta altura a PIDE parecia
andar arredado do mato) ripostaria com a declamação do Pedro Soldado, de Manuel Alegre e Adriano Correia de Oliveira:
Já lá vai
Pedro Soldado
Num barco da
nossa armada
E leva o nome
gravado
Num saco
cheio de nada
Triste vai
Pedro Soldado
Ainda as palavras trovejavam no ar quando outro
soldado madeirense entrava na competição, cantarolando, Paco Bandeira, no Lá longe onde o sol castiga mais…
Quem nunca
viu
Quem nunca
andou a combater
Não dá valor
nem faz ideia o que é sofrer
Ter de matar
Para não
morrer
Saber sofrer
sem chorar
Saber chorar
a sorrir
Lá longe
(…)
Para não ficar atrás, o alferes Coelho, lá foi
trauteando um fado coimbrão, a Samaritana, provocando um disfarçar de olhos
vidrados aqui e ali. A noite não ficou completa se os meus camacheiros,
liderados pelo Emanuel e pelo “Caganeira”, vestidos a rigor com umas toalhas de
ocasião e com as damas improvisadas, não rematassem com o Bailinho da Madeira, pondo toda a malta a dançar e a fazer mais
depressa a digestão. Na parte que me toca, lá me fui revezando na viola e no
acordeão, ajudado por um sexteto rítmico, no matraquear dos talheres nos copos.
Já a noite ia alta, ainda nos ecoavam nos ouvidos as últimas estrofes do nosso Malhão. Era hora do descanso do
guerreiro e, nessa noite, até o corneteiro teve de fazer horas extraordinárias.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2015
Ca - A instruçãop. 6
Cap.
6
A
instrução
A nossa instrução distribuía-se por quatro áreas: 1)
teorização e manuseamento das diversas armas e prática de deslocação pelo mapa
na diversidade dos tipos de terreno e a que se juntava a Ordem Unida [1]; 2)
carreira de tiro, onde se treinavam as mais variadas armas e que nos deixava
surdos para o resto da semana; 3) exercício físico, sobretudo as corridas de
meio fundo e as passeatas[2] pelo
pórtico, galho, corda, muro, rapel, slide, corrida de obstáculos e a famigerada
lagoa[3],
entre outros; 4) semanas de campo com movimentações noturnas e diurnas em que
nos presenteavam com algumas rações de combate, numa engorda forçada ao nosso
“cabedal”, por umas não sei quantas mais cartucheiras, granadas, G 3, tenda,
poncho e colchão de campanha, que nos iam arreando a cada passo, de forma a
experimentarmos a vida de burros, já que mais parecíamos bestas de carga.
Confesso que não me senti tão mal assim nas provas
físicas, até me alcunharam de “perna eléctrica”, pois em velocidade e
resistência ficava quase sempre lá na frente do pelotão; o mesmo se diga no
tiro, onde, apesar do chinfrim dos balázios, até conseguia discernir algum som
musical. Idem na parte teórica dos testes, tipo código de instrução hodierno,
sistema americano, onde tínhamos de acertar em uma de quatro respostas, algumas
de tal forma ambíguas que às vezes nem o Espírito Santo de orelha ou a lotaria
ajudavam grande coisa!...
Na Ordem Unida, onde se apurava a forma de marchar e
outros movimentos de coordenação, nunca havia rotina. Desde o “ombro… arma”, “frente… marche”, “alto!”, “descansar …
arma”, e outras mais ordens em parada, já fora do quartel, a caminho de uma
qualquer instrução ao ar livre, aquando da passagem de uma beldade de ocasião,
o chico do alferes sibilava: “alto!”, “apresentar…arma”. Assustada a moça e
fugindo a sete léguas, logo a marcha prosseguia para “passo de corrida” pois os
bravos de pelotão monodiavam já um Solesmes feito gregoriano de ocasião:
O cadete é o melhor da tropa
Quando lá não está mais ninguém
As mulheres até ficam loucas
Co’as estrelas que a sua farda tem.
(…)
Até
que se fazia tempo de voltar á Tapada para mais umas incursõezitas feitas de
orientação mapa-bússola, tipo pady paper, assustando aqui e ali veados, gamos e
javalis à solta, resquícios aos tempos de D. João V e que fizeram as delícias
de monarcas que, alojados no Convento, se queriam dedicar à caça.
Ao almoço, era tempo de saborear uma
frangalhada com arroz à caril, ou outras ementas de engorda, nas mesas
gigantescas de mármore do longuíssimo refeitório abobadado da messe e caiado a
imaculada brancura.
Na instrução da tarde seguia-se outra
dose industrial, tirando-se azimutes a tudo quanto era sítio ou cota para, logo
mais, se bombardear em morteiradas um pseudo-inimigo, alojado algures em morro
de aldeia vizinha, mas que dele só restariam umas reencarnações de passarada
assustadiça que debandava para outros sítios, receosa talvez que a 3ª Guerra
Mundial começasse por aquelas paragens! E em passo de corrida lá voltávamos ao
quartel-convento para confessarmos os nossos pecados por tanta “matança” feita.
Não contentes com uma guerrazinha menor, logo nos prometiam, para o dia
seguinte, um concurso de pesca desportiva nos “perfumes” da lagoa, acossados
por bala real ou granada lançada por instrutores sádicos e dementes; em
alternativa, éramos convidados a uma familiarização mais chegada ao galho,
pórtico, rapel, slide, túnel, corda, salto de obstáculos e coisas do género,
acabando este e aquele cadete numa visita forçada à enfermaria, co, relatório a
transparecer um “excesso de zelo” no treino a decorrer! Éramos ainda os “filhos
de um deus menor”. O que nos reservaria o Olimpo do Ultramar?
Após a instrução da tarde tínhamos uma
lufada de ar fresco fora do quartel, no que aproveitávamos para atacar os cafés
da vila em “golpes de mão” que equilibravam as nossas proteínas, já que a
comida do rancho mais parecia condimentada a soda. De soslaio, lá se “iam
tirando as medidas” às poucas beldades de ocasião que, já calibradas com tanto
mânfio e todos do mesmo clube, “davam às de vila Diogo” ao ouvirem alguma
promessa de eterna fidelidade para pertencerem ao rol das casadas, em namoros
relâmpagos quanto poderiam ser os de cada instrução. Sonhos nossos que também
só duravam enquanto não fôssemos acordados pelo toque de recolher ao quartel.
Decorreram
assim os meses da recruta e da especialidade, findos os quais, a 27 de Novembro
de 1970, recebemos os galões de Aspirante a Oficial – uma estria diagonal
dourada em fundo preto – passando agora a estar mais atentos a corresponder às
continências do que, antes, a tentar evitá-las.
Embora garbosos de um estatuto que há
seis meses atrás era só “para ver por uma canudo” pelas dificuldades passadas,
não imaginaríamos talvez o que nos adviria mais tarde pois que cada rubrica e
autorização nossas eram um atestado de co-responsabilidade a assumir, não só
perante os graduados inferiores, classe dos sargentos e praças, mas sobretudo
perante os oficiais superiores.
[2] Tom jocoso pelos quais, dada a sua
dificuldade, eram conhecidos estes obstáculos; na verdade, um salto mal
calculado no galho - árvore com um ramo descascado para o qual o instruendo se
teria de arremessar de uma certa altura e a determinada distância deste por
forma a ficar nele suspenso - ou o medo e o tremor das alturas quando no
pórtico - pilares de cimento dispostos em forma de quadrado com uma largura de menos de 40 cm e vários metros de comprido
e a cinco metros de altura do solo, que o cadete teria de percorrer - e no muro
- parede mural encimada em feitio ovoide e que separava zonas específicas da
tapada de Mafra, mas de alguma extensão e a x metros de altura, que o
instruendo teria não só de atravessar, como numa fase mais adiantada tentar
acelerar -, punham em risco a integridade física de cada um de nós.
[3] Charco de dimensão e profundidade variáveis
onde proliferava a mais diversa imundície que os cadetes teriam de transpor,
sobretudo de noite e no meio de um intenso tiroteio – às vezes com bala real !
– iam rebentando, à mistura, granadas e de que resultavam, muitas vezes,
acidentes, alguns até mortais, e que faziam o gáudio de certos instrutores
sádicos e o medo inconsciente e bem real dos instruendos.
Cap. 5 O Ritual
Cap. 5
O ritual
Sair e entrar no novo “principado” de Mafra exigia
“passaporte” e este dependia dos humores de ocasião do oficial de serviço. Para
passar a “fronteira”, os pedidos, em papéis coloridos, eram solicitados de
véspera. Assim, havia licenças de nojo, de casamento e outras, a que juntavam
as de simples ausências do quartel e, as mais desejadas, as de fim-de-semana.
Na formatura de saída, em longas filas rabeando e antes que se acertasse com a
perspectiva da perpendicular na horizontal da Ordem Unida, vociferada em
guinchos baritonais pelos cabos milicianos de serviço, como se de desfile de
misses se tratasse e à falta das medidas ideias a serem avaliadas (peito, anca,
coxas), o cadetezinho tinha de apresentar-se todo engomado da cabeça aos pés.
Na parada, os candidatos à “deserção” temporária,
excediam-se em parafusos de imaginação de asseio equacionado as trunfas
aparadas (à escovinha ou à máquina zero) de forma a aureolar a boina ou o boné
regimentais, barbas escanhoadas à meninos de coro, botões dos blusões mais que lustrosos nos respectivos
“apartamentos”, armas de latão e
estrelas de instruendo nas ombreiras a espelhar e, sobretudo, o cinto brasonado
que chamava a atenção para o vinco impecável das calças; a peritagem não se
ficava por aqui pois o teste final estava reservado para os sapatos ou as botas
conforme o uniforme a sair. Para o efeito, havia que “dar férias” ao segundo
par suplente, uma vez que agora o ritual era mais exigente e no início as
“chuteiras” ficavam mais bassas que vidro de para-brisas em nevoeiro cerrado, o
que adiava a provável saída para as calendas gregas! Com a experiência, a
estratégia aconselhava a rapidez do verniz, umas escovadelas histéricas com o
último grito em graxa “made in China” ou, quando em urgência, os ofícios de
sapateiro entendido e que constituía o gáudio do cadete perante o elogio do
comandante num “ bravo, nosso cadete, pode sair e um bom fim-de-semana” e quase
a merecer medalha de guerra!
Corríamos tresloucados para a porta de armas e passada
a circunscrição do nosso “principado” voltávamos aos condados da terra natal de
cada um, sem que antes, no comboio ainda em andamento e em rapidinhas aos W.C.
nos desfizéssemos daquelas fardas engarrafadas
à pressão, passando a aperaltar-nos à civil e a evitar outras inspecções
da pegajenta Polícia Militar, com faro predilecto para embirrar com magalas e
cadetes, nas estações de S. Bento ou Campanhã. Na viagem de regresso, o
processo invertia-se e alguns, ainda sonolentos e mal dormidos pelas primeiras
classes das charretes e “expressos do Oriente”, mal tinham tempo, à porta de
armas, de endireitarem a gravata, quando não se apresentavam até com as botas
trocadas!...
terça-feira, 29 de setembro de 2015
Cap. 4 - A recruta
Cap. 4
Ignorante dos procedimentos militares, fui apanhando o
jeito a decorar os graus hierárquicos, desde Soldado pronto, até Marechal e
batendo pala[1] a tudo quanto tivesse
divisas e galões[2]; no fim da especialidade
prometiam-nos o grau de Aspirante a Oficial mas, até lá, não passávamos de uns
míseros capachos em quem toda a tropa pronta[3],
procurando talvez saciar a sua ambiçãozinha frustrada de subserviência militar,
descarregava também a sua própria frustração, o que ocasionaria, mais tarde,
uma certa sede de vingança, virando-se o feitiço contra o feiticeiro.
Calhara-me na rifa, na recruta, um dos muitos alferes
chicos[4] que
proliferavam na instrução, se bem que, felizmente, não tivesse sido tão mal
assim se comparado com os que nos lotearam na especialidade. Este outro,
peneirento quanto bastasse, comprazia-se mais em passar lustro aos galões,
amaciar a pistola Walter e gabarolar-se de suposto engatatão; não se compadecia
das inúmeras flexões que nos fazia pagar por “dá cá aquela palha”, quando não
nos rebentava a todos, após uns crosses bem puxados até à Ericeira, a 15
quilómetros de Mafra – depois de termos “assinado o ponto” do camuflado nas
ondas da praia e, no regresso, o irmos secando, ainda colado ao corpo; outras
vezes, para não variar daquela rotina, fazia-nos acordar, estremunhados, quais
despertadores em automatismo contínuo, lá pelas três ou quatro da matina, para
alinharmos na parada, a foras desavindas até para mochos e morcegos, só para
nos desejar: “boas noites, continuem a dormir bem”! E lá voltavam, os nós para
a enxerga.
“Carimbados” como qualquer peça de gado e quase
perdendo a identidade como indivíduos, com um número mecanográfico X sempre
antecedido do respectivo apelido, era dessa forma que nos apresentávamos aos
superiores militares. Recordo que na especialidade passei a fazer parte do 5º
Pelotão, nº 108 da 4ª Companhia de Instrução, 2º Ciclo, C.O.M. Mafra.
Não muito conscientes deste exílio forçado, era
natural que uns tantos tentassem desertar e, na altura, pelo menos uns quatro
ou cinco acabaram por fazê-lo. Lembro um cadete que, ardilosamente, se deu ao
luxo de levar como recordação umas tantas peças já desmontadas da G 3 a caminho
da Bélgica!
[1] Fazer continência aos
superiores militares levando a mão esticada ao lado direito da testa pelo que
também deve ser correspondido de igual forma pelo superior.
[2] Pequenos rectângulos de
fazenda apostos às ombreiras da farda militar pelos quais se distinguiam as
várias patentes hierárquicas.
[3] Os militares do Quadro que
já haviam cumprido a instrução.
[4] Nome pejorativo pelo que
eram conhecidos os oficiais de carreira da Academia Militar.
Cap. 3 - Os primeiros dias no quartel
Cap. 3
No dia seguinte e após vista grossa do sargento de
manutenção ao meu físico empacotado nos seus 49 quilitos, foram-me distribuídos
os uniformes nºs 2 e 3 para usar na instrução (o nº 1, facultativo, era o
uniforme de gala, a expensas nossas) constituídos, respectivamente, por números
de pares de calças, camisas, blusões, quico e boina, botas de lona e cabedal,
cantil, marmita e a espingarda em uso na altura, a G 3, além de outros
apetrechos indispensáveis à instrução. Surpreso fiquei quando o sargento me
preveniu que teria de entregar tudo no fim da recruta!...
Experimentando os novos fatos-macacos, de cor
verde-garrafa, quase me senti um astronauta, pois parecia navegar no espaço,
tal o desperdício de fazenda para um somático tão franzino e cuja pele até
tentava emigrar do corpo por ter vergonha de aí ficar embrulhada. Logo, fui
reclamar outro fardamento, pois no distribuído caberiam não um Rei [1] mas
quase toda a família real junta, já para não falar das botonas tão largas e
compridas que os dedos dos pés se afligiam com tanto estacionamento! Em
resposta, só ouvi um grunhir do sargento, cuspindo de asneiras o cabo da
arrecadação para que se despachasse com mais fatos-macacos, e de que “não havia
mais trocas e que as fatiotas iriam ao sítio logo que visitasse a Lagoa” – mais
tarde, havia de perceber a graçola e dar-lhe razão. Lá me consolei quando na
formatura de apresentação na parada, reparei no cadete [2] Carapeto,
espremido dentro da farda e rebentando pelas costuras no seu enchido de peso-pesado,
e o Sousa que mais parecia ressuscitado da lavandaria, minguado em calças uns
20 cm para os seus 1,90 de altura!...
Entretanto, adaptados os ossos e a mente à nova
realidade, foi tempo do primeiro susto. Nesse primeiro dia, enquanto decorria a
instrução e ficávamos a saber os nossos lugares no pelotão e os respectivos
comandantes, eis que surge em plena parada uma ambulância militar transportando
dois cadetes feridos, do 2º turno de instrução, e que quase “batiam a bota” nos
exercícios da lagoa pois não tinham aguentado a pressão!
quarta-feira, 2 de setembro de 2015
Também eu estive lá...
Cap.
2
Mafra 06 de
Julho/70
Despachado a Guia de Marcha, como era costume do
Exército para qualquer itinerário a fazer pelos militares incorporados nas suas
fileiras, lá aterrei no quartel do convento de Mafra, à altura, a servir de COM
(Curso de Oficiais Milicianos). Por chegar fora de horas e à civil, o que terá
surpreendido o soldado de serviço e de plantão à porta de armas que não me
conheceu de lado algum, logo ele me questionou ao que vinha e logo lhe respondi
ter sido colocado ali para o tirocínio do Curso de Oficiais Milicianos. Chamado
o Oficial de Serviço, este pediu-me a identificação e, confirmado o meu nome
numa extensa lista, mandou guiar-me até uma caserna, através de labirínticos
corredores, onde já dormitavam uns tantos desconhecidos que, mais tarde,
haveriam de ser os meus camaradas de armas. Cansado como vinha, quase me
apetecia dependurar-me no cabide do armário mais próximo, com roupa e tudo, mas
acabei por atirar o esqueleto para a enxerga do beliche mais à mão, só
acordando ao toque da alvorada.
Para trás, havia ficado interrompido um ciclo de
estudos e experimentava agora uma nova aventura, mista de voluntariado à força
e de autoimposição, na procura de um novo rumo a dar aos meus 22 anos, idade em
que todos os sonhos são possíveis.
Escusado será dizer que levei um par de dias para me
situar na “avenida” da minha caserna – La Fayette, se bem recordo – pois os
corredores do quartel, situado na ala sul do convento, eram de tal forma
compridos e de inúmeras transversais acima e abaixo que, o mais das vezes, eu
acabava por desaguar no sítio errado. Dizia-se até que o convento, com as suas
4.500 portas e janelas, tinha tanta ratazana nos seus alicerces que era
ineficaz qualquer raticida, antes, os faria multiplicar indefinidamente, de
modo que a cambada constituía uma tropa de elite à parte, com generais
ancestrais tão gigantes que assustavam qualquer mortal!
De resto, a malta haveria de compartilhar ainda a
caserna com outros comandos, já lá instalados, cujas comichões bateriam em
número qualquer record para o Guiness !
segunda-feira, 20 de julho de 2015
Alvados/99 - Do livro "Também eu estive lá..." de Lino Rei (ex-alfers da C.C. 3411 - Angola 71/73)
Cap.
1
Alvados/99
Alguns já com estatuto de avós:
- (…) eh, pá! Tenho lá um que é assim pequenino também
- Olhando uma foto de um neto de um camarada - É mais pequenino que o teu… tem
14 meses, não fala, mas que traquinas!...
A propósito de velhos craques no futebol de salão no
Songo:
- (…) porra, pá, foi pena na altura não seres vendido
ao Arsenal (ao Varela, o algarvio). Este gajo era um ponta de lança do carago,
era a estrela da Companhia e da nossa equipa. Eh pá, lembras-te de uma defesa
que fiz que quase parti os dentes todos ? Ah que rica equipa que a malta tinha:
o Ornelas (jogava p’ra raio), o Paulo, o Leite, o Mota, o “Caganeira” que só de
paleio driblava o pessoal todo – Risotas; chegamos a ir a Carmona disputar as
finais (…) velhos tempos!...
Ataca o Pegado, a propósito de umas noitadas ainda na
Madeira:
- Ó Rei, lembras-te daquela noite no Funchal?
- Eh pá!... Isso fica no segredo dos deuses –
Gargalhadas estridentes – Mas nunca contar às nossas mulheres aquilo por que
passamos! Nada! Só de lembrar essa coisa… - Um olhar de soslaio às respetivas
consortes, de algum dia lhes desvendarmos o segredo.
Ao partir do bolo:
- Como é, ninguém bate palmas? – Subtil
a filmar. Eh malta, o Laranjeira está agora a cortar o Sonso do mapa. A quem
vai tocar a fatia da Quivuenga? – Risota geral.
Ainda a propósito:
- Eh pá, isto está mesmo uma
delícia!... – Interrogações na malta – ‘Inda vive na serra da Mucaba!... –
Risota geral.
A propósito de algumas calvícies já acentuadas:
- (…) não é velhinhos que se diz,
é u-s-a-d-o-s!...
Já ao champanhe e quando a discussão
era sobre futebol:
- Porra, pá, parece que ‘inda estás
cheio de fome, carago! – Ataca o Couto que já havia desabafado quase meia
comissão de serviço e que tinha tido o baptismo de mato no meu pelotão – Estás
tu e o Benfica… bebe que p´ró ano há mais!... Já temos o tetra, o penta e o
hexa vem já a seguir ! – Assobiadelas nas hostes adversárias.
Nas despedidas – discurso do Beja:
- (…) faltou ainda o camarada Sousa, de
Lagos, dada a distância e o facto de andar em hemodiálise três dias por semana
mas manda um abraço à malta (…).
- (…) P´ró ano, vamos ver se o encontro
é na Madeira, vamos pôr o Calisto a tratar do assunto da TAP p´rá coisa ficar
mais em conta (…).
Logo um outro no meio de um café:
- Nossa, meu, não me ponhas à beira do
Sousa senão fico sem comida! – Gargalhada geral.
Ainda a organização, a cargo do
Laranjeira:
- (…) Quero recordar três nomes: o caso
do furriel Basso, o caso do motorista “Apúlia”, o caso do furriel Cunha e, como
não podia deixar de ser, o nosso malogrado capitão Pinto de Morais. São quatro
pessoas que no fundo vamos congregar e recordar neste nosso encontro. Solicito
a todos um minuto de silêncio em homenagem a estes camaradas falecidos –
Silêncio prolongado com uma ou outra lágrima a disfarçar a emoção do momento.
Desejo um bom regresso às casas de cada um. Até ao ano.
Seguem-se as despedidas com abraços a
cada um em particular e saudações aos respectivos familiares.
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
Feed back
Braga 13/01/2015
Olá, ex-camaradas e amigos deste blogue, tudo bem convosco e com os vossos ?
Antes de mais, e no dealbar deste novo ano de 2015, quero desejar a todos os votos de tudo o que de bom a vida ainda tem para vos oferecer, no que se inclui a saúde que é o bem mais precioso que se pode almejar pois o resto virá por acrescendo.
No princípio deste novo ano civil seria sempre de fazer-se um balanço do alcance que este blogue tem tido nos vossos passeios virtuais e, mais que isso, no reatar e fazer pontes das vivências aos tempos das nossas "guerras", afastados agora que estamos e lutamos pelas outra "guerras" do dia-a-dia, com mais ou menos afazeres profissionais e, quiçá, a maioria já "do outro lado da picada" a gozar o tempo merecido das suas reformas e/ou aposentações, pois para isso contribuímos mais que alguns políticos da nossa praça.
Confesso também que tenho andado descuidado, um tanto ou quanto, de uma participação mais ativa no blogue e apenas pontualmente vou escrevinhando algo de jeito, após que quase tudo o que foi dito, escrito e fotografado já quase se tenha esgotado no tempo e sonhemos de meras recordações quase esbatidas no tempo e que agora tentamos perscrutar debaixo das cinzas de uma realidade que já o foi, há uns bons 44 anos, o que, convenhamos, é muito tempo mas que para nós ainda parece que tenha sido ontem.
Mas por aqui foram e vão pululando alguns flashs dessas recordações sob um olhar diferente e quiçá com outra perspetiva vivencial que na altura nem sonháramos, num contexto de combatentes à força e em pró de um Portugal-nação e hoje completamente fora do seu contexto existencial, antes, globalizado por essa Europa fora e onde o meu vizinho pode estar à distância de milhares de quilómetros mas à velocidade de um micro segundo de proximidade com estas novas tecnologias.
E sem querer filosofar mais, deixo-vos uma mensagem de esperança para que tudo se realize a vosso contento enquanto por aqui nos vamos aproximando em convívios pontuais e amizades que se querem duradouras e mesmo afastados em longitudes e latitudes nos haveremos de aproximar.
Lino Rei
Olá, ex-camaradas e amigos deste blogue, tudo bem convosco e com os vossos ?
Antes de mais, e no dealbar deste novo ano de 2015, quero desejar a todos os votos de tudo o que de bom a vida ainda tem para vos oferecer, no que se inclui a saúde que é o bem mais precioso que se pode almejar pois o resto virá por acrescendo.
No princípio deste novo ano civil seria sempre de fazer-se um balanço do alcance que este blogue tem tido nos vossos passeios virtuais e, mais que isso, no reatar e fazer pontes das vivências aos tempos das nossas "guerras", afastados agora que estamos e lutamos pelas outra "guerras" do dia-a-dia, com mais ou menos afazeres profissionais e, quiçá, a maioria já "do outro lado da picada" a gozar o tempo merecido das suas reformas e/ou aposentações, pois para isso contribuímos mais que alguns políticos da nossa praça.
Confesso também que tenho andado descuidado, um tanto ou quanto, de uma participação mais ativa no blogue e apenas pontualmente vou escrevinhando algo de jeito, após que quase tudo o que foi dito, escrito e fotografado já quase se tenha esgotado no tempo e sonhemos de meras recordações quase esbatidas no tempo e que agora tentamos perscrutar debaixo das cinzas de uma realidade que já o foi, há uns bons 44 anos, o que, convenhamos, é muito tempo mas que para nós ainda parece que tenha sido ontem.
Mas por aqui foram e vão pululando alguns flashs dessas recordações sob um olhar diferente e quiçá com outra perspetiva vivencial que na altura nem sonháramos, num contexto de combatentes à força e em pró de um Portugal-nação e hoje completamente fora do seu contexto existencial, antes, globalizado por essa Europa fora e onde o meu vizinho pode estar à distância de milhares de quilómetros mas à velocidade de um micro segundo de proximidade com estas novas tecnologias.
E sem querer filosofar mais, deixo-vos uma mensagem de esperança para que tudo se realize a vosso contento enquanto por aqui nos vamos aproximando em convívios pontuais e amizades que se querem duradouras e mesmo afastados em longitudes e latitudes nos haveremos de aproximar.
Lino Rei
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