quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Cap. 5 O Ritual


Cap. 5 

O ritual

Sair e entrar no novo “principado” de Mafra exigia “passaporte” e este dependia dos humores de ocasião do oficial de serviço. Para passar a “fronteira”, os pedidos, em papéis coloridos, eram solicitados de véspera. Assim, havia licenças de nojo, de casamento e outras, a que juntavam as de simples ausências do quartel e, as mais desejadas, as de fim-de-semana. Na formatura de saída, em longas filas rabeando e antes que se acertasse com a perspectiva da perpendicular na horizontal da Ordem Unida, vociferada em guinchos baritonais pelos cabos milicianos de serviço, como se de desfile de misses se tratasse e à falta das medidas ideias a serem avaliadas (peito, anca, coxas), o cadetezinho tinha de apresentar-se todo engomado da cabeça aos pés.

Na parada, os candidatos à “deserção” temporária, excediam-se em parafusos de imaginação de asseio equacionado as trunfas aparadas (à escovinha ou à máquina zero) de forma a aureolar a boina ou o boné regimentais, barbas escanhoadas à meninos de coro, botões dos blusões  mais que lustrosos nos respectivos “apartamentos”, armas de latão  e estrelas de instruendo nas ombreiras a espelhar e, sobretudo, o cinto brasonado que chamava a atenção para o vinco impecável das calças; a peritagem não se ficava por aqui pois o teste final estava reservado para os sapatos ou as botas conforme o uniforme a sair. Para o efeito, havia que “dar férias” ao segundo par suplente, uma vez que agora o ritual era mais exigente e no início as “chuteiras” ficavam mais bassas que vidro de para-brisas em nevoeiro cerrado, o que adiava a provável saída para as calendas gregas! Com a experiência, a estratégia aconselhava a rapidez do verniz, umas escovadelas histéricas com o último grito em graxa “made in China” ou, quando em urgência, os ofícios de sapateiro entendido e que constituía o gáudio do cadete perante o elogio do comandante num “ bravo, nosso cadete, pode sair e um bom fim-de-semana” e quase a merecer medalha de guerra!

Corríamos tresloucados para a porta de armas e passada a circunscrição do nosso “principado” voltávamos aos condados da terra natal de cada um, sem que antes, no comboio ainda em andamento e em rapidinhas aos W.C. nos desfizéssemos daquelas fardas engarrafadas  à pressão, passando a aperaltar-nos à civil e a evitar outras inspecções da pegajenta Polícia Militar, com faro predilecto para embirrar com magalas e cadetes, nas estações de S. Bento ou Campanhã. Na viagem de regresso, o processo invertia-se e alguns, ainda sonolentos e mal dormidos pelas primeiras classes das charretes e “expressos do Oriente”, mal tinham tempo, à porta de armas, de endireitarem a gravata, quando não se apresentavam até com as botas trocadas!...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

        

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