segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

As chancas de Natal


As chancas de Natal

           

            Acabado de abastecer no hiper ao pé da porta, o pagamento automático foi efectuado com cartão Multibanco, a aproveitar o excedente do subsídio de Natal.

         Embora a esposa controlasse, pelo papelucho, a mercadoria a precisar, os filhos sempre atiravam para o carrinho de compras mais uma e outra bugiganga. O marketing testado para sharings de clientes, fazia posicionar certos produtos em lugares estratégicos, nas diferentes prateleiras, que direccionavam os olhares para bónus convidativos. Na saída, a “dolorosa” era ainda inflacionada com a aquisição de mais uns extras, nas bancas de revistas cor-de-rosa, pilhas para rádios, chicletes e outras resmas de miudezas de ocasião, perfilando-se como pequenos demónios na última tentação ao Cristo-cliente.

         Já em casa e aquando da conferência dos produtos-preço, atira um dos garotos:

            - Pai, esqueceste-te da minha consola de jogos que me prometeste -choramingou.    

         - Mãe, os Tampax não eram estes – atacou a Guida, meio decepcionada.

- Pai, prometeste-me a bicicleta para os meus anos – relembrou ainda a do meio.

         - Vamos ver se passas de ano!

Tentando desviar a conversa e fazer esquecer à filha mais cumprimento de promessas, não fora já as que estavam em lista de espera com S. Judas Tadeu e Sta. Bárbara, foi tempo de saborear o frango assado e as batatas estaladiças do hiper.

- Ó mulher, estás-me a ver os nossos filhos, até parece que estamos a nadar em dinheiro. Estes putos sabem lá o que é a vida, já compram tudo feito.

(…)

         Alex sentiu-se recuar no tempo.

         Naquele Natal, o tempo invernoso fazia com que a campanha do tio Miguel ficasse mais uma vez em terra pois o mar bravio, e o saco do torreão do Salva -Vidas, prenunciava borrasca.

O miúdo adivinhava, pela tristeza da mãe, que não haveria bacalhau nem as batatas, para a próxima Consoada. Dinheiro era coisa rara e o livro do fiado ia-se avolumando na mercearia do lado, em contas de provas dos nove mais que provadas e que faziam inveja a um qualquer Tribunal de Contas. Todavia, a esperança de dias melhores sempre acontecia e a ceia de Natal compusera-se, não fora, em última instância, uma visita meio envergonhada, no “Linhares”, ali à vizinha Póvoa, à casa do “Prego”, pelo empenhar do cordãozinho familiar, resgatado mais tarde, quando o S. Pedro atulhasse a catraia do mestre com a última réplica do milagre dos peixes.

Nessa noite, o garoto estava à espera de um presentinho muito especial do Menino Jesus. Colocara, por isso, as suas chanquitas pretas de tacholas a brilhar, junto à chaminé, infantilmente convencido que o “carteiro” do Pai Natal o recompensasse das suas boas acções de escoteiro, durante o ano anterior, e mais agora que a professora até lhe dera um Muito Bom com um ditado de se lhe tirar o chapéu, por zero erros!

 No meio de tanta azáfama, cansado das brincadeiras com os amigos e, já lá para a tardinha, ainda com uma ida à catequese, com uma reprimenda do senhor arcipreste por não ter dado conta do recado na recitação do Credo, meio sonolento, já na cama, a mãe aconchegara-lhe os parcos cobertores e ia magicando como é que o gorducho do Pai Natal podia descer por aquela chaminé tão estreita e fuligenta, tentando alargá-la na sua fértil imaginação, não se dando conta que já sonhava com os anjinhos.

Manhã bem cedo, voou para a cozinha, directo à chaminé.  

Que decepção!  As chancas ainda lá estavam todas arrumadinhas e até meio arrebitadas para cima mas parecendo-lhe vazias. Prendas, nem vê-las! Introduziu as mãozitas dentro delas e sempre apalpou qualquer coisa: umas nozes, uns pinhões e uns figos! Nem sabia se havia de estar triste ou contente. Ele que até esperava aquele carrinho dos bombeiros com rodinhas de madeira que viu no S. Bartolomeu, ou, pelo menos, aquelas patinhas de abrir as asas, da festa do Senhor Bom Jesus.

Só aquilo? Será que fizera alguma asneira? Talvez!...- Falou-se para dentro.

Tristonho, correu para o quarto dos pais e aconchegou-se à mãe, meio em silêncio, meio interrogativo. Esta afagando-o, percebendo-lhe a desilusão, murmurou-lhe que “ talvez o Pai Natal não tivesse tido tempo para descarregar o resto das prendas, pois ainda tinha de ir a outros meninos…”.

No olhar da mãe, viu duas lágrimas que lhes escorriam rosto abaixo. Recebeu um grande beijo na testa.

Percebeu então, nessa manhã, e na sua inocência de criança que tinha começado a crescer para a dura realidade.

Lá fora, logo esqueceu. Parece que o Pai Natal sempre chegara a tempo pois logo partilhou com os seus amigos dos jogos do rapa, do peão,  dos pinhões e até das nozes e de uma ou outra rabanada sobrada da noite anterior.

Estava de novo feliz.

 

Lino Rei

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