sábado, 25 de fevereiro de 2012

O ritual da recruta / in "Também eu estive lá..."

Local: Quartel do convento de Mafra - Julho/70/ COM (Centro de Oficias Milicianos)

Sair ou entrar no "principado" de Mafra, exigia "passaporte" que dependia, tantas vezes, dos humores do oficial de serviço.
Na formatura de saída, longas filas de cadetes perfilavam-se ao som de guinchos baritonais dos cabos milicianos e qual desfile de misses, o candidato a uma simples "deserção" de fim de semana apresentava-se todo engomado da cabeça aos pés.
O Zé cadete excedia-se em parafusos de imaginação de asseio, acarinhando a trunfa, aparada à escovinha ou máquina zero, de forma a fazer sobresair a boina ou o boné regimentais, barba escanhoada à menino de coro, botões mais lustrosos que raios de sol e as estrelas de instruendo a espelhar. Não se ficava por aí a inspeção pois se parecia que passava logo à primeira estava bem enganado. O teste final descia agora na vertical para os sapatos ou as botas e  havia que pô-los como brinquinhos. Às vezes, por falta de tempo, disfarçava com uma mão de verniz ou umas escovadelas histéricas com o último grito em graxa made in China. Com tudo au point e se o oficial de dia estivesse para aí virado e sem uma qualquer má disposição momentânea, ficava-se aprovado.
Corria então para a porta de armas, qual tresloucado e voltava ao condado da sua terra natal. Ainda no combóio em andamento e em rapidinha ao W.C. desfazia-se daquela farda-azeitona e engarrafada à pressão e passava a aperaltar-se à civil para fugir a uma última  inspeção da pegajenta Polícia Militar com faro predileto para embirrar com magalas e cadetes nas estações de S. Bento ou Campanhã. De soslaio, ia deitando uns olhinhos às meninas do lado, muitas delas estudantes e que iam entrando ao longo da viagem.
Na viagem de regresso, ainda sonolento e mal dormido pelas charretes ou os "Expressos do Oriente" da sua aldeia, mal tinha tempo de endireitar a gravata para reentrar no quartel.
O normal da semana  ia sendo mais do mesmo, até que o cabedal ficasse todo esfolado com umas idas à lagoa, no galho, no pórtico, na ordem unida, nos crosses, na carreira de tiro e por aí fora. Como engorda, a ração de combate, quando em progressão para alguma semana de campo, ali a Torres Vedras ou aos banhos de mar da Ericeira. Quanto às refeições no "hotel"  havia menus variados à base de alguma carne condimentada a soda para inchar o canastro.
Ah! E estar afinadinho quando em pelotão tentava imitar o Pavarotti:

O cadete é o melhor da tropa
Quando lá não está mais ninguém
As meninas até ficam loucas
Co'as estrelas que a sua farda tem
(...)

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