quinta-feira, 3 de março de 2011

Recordar é viver / Estórias recontadas da 3411 (*)

Outros "golpes de mão"
As noites tinham a particularidade de se tornarem nostálgicas e, por algumas vezes, havia que quebrar essa nostalgia com saídas furtivas fora do perímetro do quartel.
Socorrendo-me dos meus braços direitos, o soldado mecânico X (um alentejano de gema), do cabo mecânico Y (natural de Matosinhos) e do cabo condutor W (um portista dos sete costados), que reunia no parque auto, planeávamos o próximo "ataque" à sanzala mais próxima. Já conhecedores do terreno, partíamos para mais uma das nossa aventuras: um velho jeep willes (pára-brisas deitado sobre capot) conduzido por mim, tendo como pendura o W e no banco de trás, compenetrados dos seus papéis, o X e o W, de mansinho, lá nos furtávamos em direcção ao objectivo, com uma certa complacência do soldado de serviço à porta de armas que fazia olhos de mercador.
Percorridos os poucos quilómetros no sentido da estrada Songo-Carmona, entrávamos na sanzala, que ficava ao nosso lado esquerdo e, desligando as luzes do jeep, tentávamos passar despercebidos, pelo que, calmamente, avançávamos na escuridão até ao objectivo que era, concretamente, um redil, pertença de um comerciante da vila e proprietário de um talho no local.
De imediato, o X, saltava do jeep e, rapidamente, embrenhava-se no meio das cabras e ovelhas; no espaço de uns minutos já pulava para o jeep com o troféu de caça aos ombros, tendo ainda numa das mãos o sinal do crime, uma faca de mato ensanguentada com que despachara a vítima. No regressso, já em velocidade de fórmula 1 até ao quartel, estava ainda acordado o cozinheiro da companhia, o Z, com a missão de preparar a vítima, à Hotel Ritz, durante a noite para, nas seguintes, fazermos o repasto de tão lauto banquete.
No dia seguinte, era ouvir o talhante, vociferando contra tudo e contra todos e acusando os turras que lhe "voltaram a limpar mais uma cabra", enquanto nós, muito sérios, ainda íamos fazendo a digestão e rindo cá por dentro a bandeiras despregadas.

(*) In "Também eu estive lá..."

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