segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Bom Natal e Feliz Ano Novo.


Ora veja-se lá como o tempo passa! Ainda há uns anitos - e já lá vão uns 37, recordam-se?- celebrávamos no Songo um dos dois natais possíveis, longe da família e dos amigos. Mas como diz a canção, " Natal é sempre quando a gente quiser".

Hoje, menos jovens, e quiçá já com uns netitos à perna, por certo que vamos vê-los de olhitos arregalados e à espera de abrirem as prendas destes avós todos babados...

E para que o espírito de Natal também permaneça entre nós, segue um texto-mensagem dos meus tempos de criança:


As chancas de Natal

Acabado de abastecer no hiper ao pé da porta, o pagamento automático foi efectuado com cartão Multibanco, a aproveitar o excedente do subsídio de Natal.
Embora a esposa controlasse, pelo papelucho, a mercadoria a precisar, os filhos sempre atiravam para o carrinho de compras mais uma e outra bugiganga. O marketing testado para sharings de clientes, fazia posicionar certos produtos em lugares estratégicos, nas diferentes prateleiras, que direccionavam os olhares para bónus convidativos. Na saída, a “dolorosa” era ainda inflacionada com a aquisição de mais uns extras, nas bancas de revistas cor de rosa, pilhas para rádios, chicletes e outras resmas de miudezas de ocasião, perfilando-se como pequenos demónios na última tentação ao Cristo-cliente.
Já em casa e aquando da conferência dos produtos-preço, atira um dos garotos:
- Pai, esqueceste-te da minha consola de jogos que me prometeste -choramingou.
- Mãe, os Tampax não eram estes – atacou a Guida, meio decepcionada.
- Pai, prometeste-me a bicicleta para os meus anos – relembrou ainda a do meio.
- Vamos ver se passas de ano!
Tentando desviar a conversa e fazer esquecer à filha mais cumprimento de promessas, não fora já as que estavam em lista de espera com S. Judas Tadeu e Sta. Bárbara, foi tempo de saborear o frango assado e as estaladiças do hiper.
- Ó mulher, estás-me a ver os nossos filhos, até parece que estamos a nadar em dinheiro. Estes putos sabem lá o que é a vida, já compram tudo feito.
(…)
Alex sentiu-se recuar no tempo.
Naquele Natal, o tempo invernoso fazia com que a campanha do ti Miguel ficasse mais uma vez em terra pois o mar bravio, e o saco do torreão do Salva Vidas, prenunciava borrasca.
O miúdo adivinhava, pela tristeza da mãe, que não haveria bacalhau nem as batatas, para a próxima Consoada. Dinheiro era coisa rara e o livro do fiado ia-se avolumando na mercearia do lado, em contas de provas dos nove mais que provadas e que faziam inveja a um qualquer Tribunal de Contas. Todavia, a esperança de dias melhores sempre acontecia e a ceia de Natal compusera-se. Não fora, em última instância, uma esgueirada na carreira do Linhares, ali à vizinha Póvoa, à casa do “Prego”, pelo empenhar do cordãozinho familiar, resgatado mais tarde, quando o S. Pedro atulhasse a catraia do mestre com a última réplica do milagre dos peixes.
Nessa noite, o garoto estava à espera de um presentinho muito especial do Menino Jesus. Colocara, por isso, as suas chanquitas pretas de tacholas a brilhar, junto à chaminé, infantilmente convencido que o carteiro do Pai Natal o recompensasse das suas boas acções de escoteiro, durante o ano anterior, e mais agora que a professora até lhe dera um Muito Bom com um ditado de se lhe tirar o chapéu (zero erros!). Foi magicando como é que o gorducho do Pai Natal podia descer por aquela chaminé tão estreita e fuligenta e, enquanto tentava alargá-la na sua fértil imaginação, nem se dera conta que já sonhava com os anjinhos.
Manhã bem cedo, correu para os presentes mas as chancas ainda lá estavam e parecendo-lhe vazias. Prendas, nem vê-las! Introduziu as mãozitas dentro delas e sempre apalpou qualquer coisa: umas nozes, uns pinhões e uns figos! Nem sabia se havia de estar triste ou contente. Ele que até esperava aquele carrinho dos bombeiros com rodinhas de madeira que viu no S. Bartolomeu, ou, pelo menos, aquelas patinhas de abrir as asas, da festa do Senhor Bom Jesus de Fão. Agora só aquilo? Será que fizera alguma asneira? Talvez!...
Choramingando, correu para quarto dos pais e aconchegou-se à mãe, meio em silêncio, meio interrogativo. Esta afagando-o, murmurou-lhe que “ talvez o Pai Natal não tivesse tido tempo para descarregar o resto das prendas, pois ainda tinha de ir a outros meninos”. Olhou para a mãe e percebera-lhe duas lágrimas a escorrer-lhe rosto abaixo…
Nesse dia de Natal, o menino tinha perdido a inocência.

Lino Rei



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