Cap. 5
O ritual
Sair e entrar no novo “principado” de Mafra exigia
“passaporte” e este dependia dos humores de ocasião do oficial de serviço. Para
passar a “fronteira”, os pedidos, em papéis coloridos, eram solicitados de
véspera. Assim, havia licenças de nojo, de casamento e outras, a que juntavam
as de simples ausências do quartel e, as mais desejadas, as de fim-de-semana.
Na formatura de saída, em longas filas rabeando e antes que se acertasse com a
perspectiva da perpendicular na horizontal da Ordem Unida, vociferada em
guinchos baritonais pelos cabos milicianos de serviço, como se de desfile de
misses se tratasse e à falta das medidas ideias a serem avaliadas (peito, anca,
coxas), o cadetezinho tinha de apresentar-se todo engomado da cabeça aos pés.
Na parada, os candidatos à “deserção” temporária,
excediam-se em parafusos de imaginação de asseio equacionado as trunfas
aparadas (à escovinha ou à máquina zero) de forma a aureolar a boina ou o boné
regimentais, barbas escanhoadas à meninos de coro, botões dos blusões mais que lustrosos nos respectivos
“apartamentos”, armas de latão e
estrelas de instruendo nas ombreiras a espelhar e, sobretudo, o cinto brasonado
que chamava a atenção para o vinco impecável das calças; a peritagem não se
ficava por aqui pois o teste final estava reservado para os sapatos ou as botas
conforme o uniforme a sair. Para o efeito, havia que “dar férias” ao segundo
par suplente, uma vez que agora o ritual era mais exigente e no início as
“chuteiras” ficavam mais bassas que vidro de para-brisas em nevoeiro cerrado, o
que adiava a provável saída para as calendas gregas! Com a experiência, a
estratégia aconselhava a rapidez do verniz, umas escovadelas histéricas com o
último grito em graxa “made in China” ou, quando em urgência, os ofícios de
sapateiro entendido e que constituía o gáudio do cadete perante o elogio do
comandante num “ bravo, nosso cadete, pode sair e um bom fim-de-semana” e quase
a merecer medalha de guerra!
Corríamos tresloucados para a porta de armas e passada
a circunscrição do nosso “principado” voltávamos aos condados da terra natal de
cada um, sem que antes, no comboio ainda em andamento e em rapidinhas aos W.C.
nos desfizéssemos daquelas fardas engarrafadas
à pressão, passando a aperaltar-nos à civil e a evitar outras inspecções
da pegajenta Polícia Militar, com faro predilecto para embirrar com magalas e
cadetes, nas estações de S. Bento ou Campanhã. Na viagem de regresso, o
processo invertia-se e alguns, ainda sonolentos e mal dormidos pelas primeiras
classes das charretes e “expressos do Oriente”, mal tinham tempo, à porta de
armas, de endireitarem a gravata, quando não se apresentavam até com as botas
trocadas!...
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