Sessão de apresentação do livro “Inspirada na minha Paixão” – Carlos Paião 1957-1988.
Boa tarde a todos.
Fiquei muito sensibilizado por ter sido convidado pela Sra. Directora da Biblioteca Municipal de Esposende, Dra. Maria Manuela Luísa Leite, para poder fazer a apresentação do lançamento do livro: “Inspirada na minha Paixão: Carlos Paião 1957-1988” e da autoria de Maria do Deserto, a quem desde já felicito pelo arrojo literário demonstrado.
Como professor de Educação Musical, em Braga, mas natural desta linda cidade de Esposende, de que muito me orgulho, e tal como Carlos Paião se vangloria da sua terra e das suas gentes, também por cá passei a minha meninice até à idade adulta. É com muito gosto que aqui estou presente para dar o meu singelo contributo e para podermos recordar esta figura ímpar da música ligeira portuguesa e tão prematuramente desaparecida do nosso convívio, vai para vinte anos a esta parte.
Parafraseando alguém de que “O homem passa mas a sua obra permanece”, isto aplica-se como uma luva ao nosso homenageado pois foi e continua a ser, para além do seu virtuosismo musical, um exemplo de valores humanos a imitar, numa sociedade cada vez mais carenciada deles.
Na sucinta análise que adiante irei descrevendo, irei debruçar-me sobre alguns pontos que achei pertinente serem focalizados. Assim, abordarei a autora do livro em questão e, de seguida, a obra do músico e compositor, completando com a apresentação de uns excertos musicais do mesmo e interpretados pelo Rúben, um jovem de vinte anos que bem poderá incarnar o espírito musical de Carlos Paião.
A autora da obra: Maria do Deserto.
O que sei da autora, é de que nada sei, ou melhor e dito por outras palavras, este é também o meu primeiro contacto com a “progenitora” desta obra. Todavia e se posso dizer algumas palavras a propósito, elas derivam mais da leitura convidativa do próprio contexto deste livro. Sei que é “repórter fotográfica, a residir no estrangeiro e apaixonada pelas letras e pela fotografia e fã e admiradora do compositor, das suas letras e músicas, apesar de nunca o ter conhecido”, citando o folheto de apresentação do Gabinete de Relações Públicas do Município de Esposende.
Como melómana, a autora terá ficado encantada com a obra musical de Carlos Paião. No livro, não deixa de ser notável a forma sui generis como o demonstra, tentando revelar múltiplas facetas do compositor, primeiro como homem e das suas ímpares qualidades humanas e, concomitantemente, na sua obra musical, onde se reflectem essas mesmas qualidades, ratificadas pelos muitos testemunhos dos seus inúmeros amigos de que se rodeou em vida e que fazem a parte final deste livro.
Se já leram ou vierem a ler esta biografia oficial do autor de Cinderela, terão chegado à conclusão de que é agradabilíssimo ir seguindo cada parágrafo do seu contexto onde a autora vai mesclando a sua própria prosa de uma forma quase poética, a que se junta a realidade da fotografia como que retrospectivando a vivência do músico-doutor.
Não serei a pessoa mais indicada para fazer uma análise e crítica estilística a este livro, mas como simples leitor apercebi-me de que a sua autora é de uma sensibilidade simples e despretensiosa, conseguindo captar o leitor ao longo das 416 pp. da obra em questão. Somos como que embalados em cada capítulo pelo romance feito de enternecimento e cuja autora abraça de uma ternura quase bucólica. De certa maneira, chamar-lhe-ia de pictórica a forma como o faz, levando-nos em cada fase do crescimento deste filho dilecto de Ílhavo, a vivenciarmos também o percurso de cada qual, ao tempo da nossa meninice.
Datas como o ter vindo ao mundo, o baptismo, as comunhões, os dias de aniversário, os tempos de escola, os jogos de criança e outros momentos que nos marcaram a todos, são pretexto para a sua autora os burilar de uma candura que a todos sensibiliza. Diria até que nestes pormenores ela é também uma artista.
Folheando o livro, a tal propósito, dei-me a contemplar o seu estilo literário na sua, e passo a citar: “…mistura arrojada de emoções, que me declaram na alma, uma realização plena… de observadora intimista, de me apoderar de pedaços da sua breve existência, fazendo-me perceber que a sua vida ainda está presente, como se aguardasse a minha vinda, para desbravar nesta homenagem o mundo mágico que nem a morte silenciou”. Ou, mais além, a ternura espelhada em: “…o seu nascimento fora como uma peça divina criada pelas mãos de Deus, que escolheu ternas fadas para a sua vida…” ou ainda “… aconchegado no regaço do colo da sua mãe, viajava numa fantástica barca intemporal, onde tudo se revelava maravilhoso e único”, pp. 46, entre muitas outras páginas carregadas de simbolismo, de pedagogia, vivência e filosofia da vida.
Os próprios subtítulos são também um convite a que sejam desbravados e assimilados no seu todo. Estão patentes em “destinos entrelaçados”, “O início da caminhada”, “A dádiva de fé”, “Mosaico de emoções”, entre tantos outros. De certa forma, o leitor como se revê em cada um deles pois são como um letmotiv da nossa própria existência humana.
Não é minha intenção revelar o conteúdo do livro pois a tal estão convidados todos os seus potenciais leitores que dele farão a análise que julguem fazer. Apraz-me apenas chamar a atenção para um e outro pormenor mais ligado à minha área profissional da música. E no que diz respeito à autora de “Inspirada na minha Paixão”, por certo que terei ficado muito aquém do que a este propósito ainda deveria e deverá ser dito. Parafraseando o título do próprio livro louvo-lhe a “Paixão” com que levou a cabo todo o processo de investigação para que fosse possível agora podermos usufruir de um melhor conhecimento do compositor de Play-back e perpetuarmos no tempo esse mesmo tempo que não lhe sobrou em vida para que fosse reconhecido no seu real valor como um artista que, diria, foi quase completo nas suas facetas de músico e compositor.
Carlos Paião: o músico e a obra.
Foi realmente uma notícia trágica a que, através da rádio e da televisão, nos atordoou a todos, naquela fatídica sexta-feira, dia 26 de Agosto de 1988. Como diz a autora, foi “…um pó de arroz que foi levado pelo vento”.
À parte o acontecimento que enlutou familiares e amigos e as especulações levantadas sobre este, ficou-nos, do compositor, a sua obra gravada por vários meios áudio - visuais e de que vamos ainda desfrutando na qualidade de cada um dos seus inúmeros trabalhos editados.
Carlos Paião é descrito pelos seus amigos como: “… uma eterna presença apesar da ausência. Um jovem prodigioso e de uma simplicidade genuína. Autêntico. Simples. Competente. Uma pessoa sempre bem disposta e de uma alegria contagiante e um retrato fiel de felicidade. Irreverente e junto dele ninguém ficava triste. Optimista e um amigo de referência com quem sempre se podia contar. Dele cita Olga Cardoso: “… derramaste amor às mãos cheias, espalhaste aos quatro ventos e acabaste por ter mais do que tinhas”.
“Compor para o autor era facílimo pois ele dava vida e cor à música com os seus textos de forma eficaz e sobretudo rápida”, assim se refere a ele Luís Filipe Aguiar, cantor e músico. “Amigo do seu amigo e de uma disponibilidade absoluta e desinteressada, ora compondo ora escrevendo ou ainda disponibilizando todos os seus meios técnicos para ajudar qualquer colega de palco. Tinha o dom de cultivar a arte de viver e a amizade e adorava crianças”. Como finaliza Filipe de La Feria foi como: “… uma estrela cadente que no céu desprende o seu lastro de luz”. Foi um trovador de sonhos”. Ah! … e um fervoroso benfiquista que mesmo em casa frente à TV não abdicada do seu cachecol encarnado!
Seria por demais cansativo debruçarmo-nos sobre tanta proficuidade e variedade da sua música que deu até para “dar e vender” a terceiros, o que demonstra o espírito de dádiva aos outros que tanto o caracterizou na sua forma de ser e estar em vida.
Musicalmente, as suas canções são de uma melodia e harmonia contagiantes e sempre adaptadas a diferentes realidades vivenciais. A título de meros exemplos na sua curta passagem compilou e compilaram-se dele alguns Álbuns como: Algarismos, O Melhor de Carlos Paião, Intervalo, os Singles, Pó de arroz, Cinderela e já posteriormente ao seu desaparecimento, Letra e Música 15 anos depois (EMI, 2003), Play-Back – Colecção Caravelas (EMI, 2004) e Perfil (Som Livre, 2007). Entre outros Compactos salientem-se: Souvenir de Portugal/Eu não sou poeta, Play Back, Pó de Arroz/Gá-gago, Marcha do peão das Nicas/Telefonia nas Ondas do Ar, Zero a Zero/Meia Dúzia, Vinho do Porto, Vinho de Portugal, com Cândida Branca Flor, O Foguete, Versos de Amor, Arco Íris, Discoteca, Cinderela, Cegonha e Quando as Nuvens Chorarem.
Não me quereria substituir a qualquer site da NET pois os meus ouvintes por certo encontrarão quase tudo o que há que ver e dizer sobre este compositor de sorriso sempre aberto.
Os seus pontos altos foram o 1º lugar no Festival RTP da Canção de 1981, com a canção Playback , numa altura em que este certame representava uma plataforma para o sucesso e a fama no mundo da música portuguesa. Já aqui se notava uma crítica divertida, mas contundente, aos artistas que cantam em playback. Com este tema representaria o nosso país em Dublin no Festival da Eurovisão desse mesmo ano.
Para além desta participação esteve ainda em muitos outros festivais quer em Portugal quer no estrangeiro. Em 1985, concorreu ao Festival Mundial de Música Popular de Tóquio, tendo a sua canção sido uma das 18 seleccionadas entre mais de 2000 representativas de 58 países!
O seu altruísmo na música fez com que lhe fossem encomendadas muitas outras músicas como foi o caso do próprio Herman José e que viriam a alcançar um grande êxito como a Canção do Beijinho. Amália Rodrigues cantou dele O Senhor Extra-Terrestre (1982).
Compositor, intérprete e instrumentista, Carlos Paião produziu mais de quinhentas canções, tendo sido homenageado em 2003, com um CD comemorativo dos 15 anos do seu desaparecimento. Já em 2008, por altura da comemoração dos 20 anos do desaparecimento do músico, vários músicos e bandas reinterpretaram temas do autor na edição de um álbum de tributo, “Tributo a Carlos Paião”.
Ao rever uma cena do filme Amadeus galardoado com vários Óscares da Academia de Cinema, Salieri, músico da corte austríaca e acusado injustamente de ter envenenado Mozart, no hospital de Psiquiatria onde estava internado e cujo capelão o visitara para que este se confessasse, o músico já envelhecido mas ainda cioso do seu presumível talento faz um acordo com o padre. Que se confessaria se este soubesse identificar algumas das (suas) músicas e que supostamente teriam tido tanto êxito, na altura. Após algumas tentativas ao ouvido duro do capelão, este não distinguiu qualquer daquelas. Irritado, Salieri tocou então uma simples melodia de Mozart e logo o clérigo a trauteou. De certa forma, e passe a comparação, ainda hoje quaisquer dos temas de Carlos Paião são do domínio e conhecimento popular e a sua identificação, passados todos estes anos, é quase momentânea.
Se me perguntarem quais as músicas que mais me atraíram eu destacaria duas, entre muitas outras: Cinderela e Pó de Arroz. São autênticos poemas ao despontar do amor na adolescência e a sua letra e música são de uma beleza, candura e enternecimento ímpares. Por isso e antes de finalizar, vou convidar o Rúben para que lhe dê a alma que elas realmente merecem.
Com mais este precioso contributo da autora deste livro, por certo que o meus caros ouvintes e possíveis leitores poderão ficar a ter uma visão mais abrangente da vida e da obra deste grande músico que se repercutiram nos seus poemas e nas suas músicas.
Finalizo com as palavras de Maria do Deserto, a sua autora: “ A morte é a única certeza na vida. Contudo, quando ela chega, deixa nos que ficam, um profundo sentimento de espanto…”.
Um até já, Carlos Paião.
Muito obrigado a esta ilustre plateia pela gentileza da vossa presença nesta sessão de apresentação e parabéns à autora de “Inspirada na minha Paixão” – Carlos Paião 1957-1988.
Biblioteca Manuel de Boaventura
Esposende 21/03/2009
Lino Rei